Reparo de cisto periapicais após terapia endodôntica não cirúrgica: relato de caso
On Setembro 22, 2021 by adminPeriapical cyst repair after nonsurgical endodontic therapy – case report
Caroline R.A. Valois; Edson Dias Costa-Júnior
Faculdade de Ciências da Saúde, Departamento de Odontologia, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil
Correspondência
ABSTRACT
Este artigo apresenta os procedimentos que devem ser considerados para a correção de cisto periapicais após tratamento endodôntico não-cirúrgico. É relatado o caso de um cisto periapical associado ao incisivo lateral esquerdo da maxila. O tratamento não cirúrgico do canal radicular foi realizado e a consolidação da lesão foi confirmada radiograficamente após 24 meses. Diagnóstico diferencial, controle da infecção endodôntica, ampliação do forame apical e preenchimento da cavidade cística com uma pasta de hidróxido de cálcio foram procedimentos importantes para a resolução dos casos. Key Words: endodontic therapy, periapical cyst, periapical pathosis. RESUMO O objetivo do presente estudo foi apresentar os procedimentos a serem considerados para o tratamento endodôntico não-cirúrgico de cistos periapicais. Um caso de cisto periapical associado ao incisivo lateral superior esquerdo é relatado. Após o tratamento endodôntico não-cirúrgico, o reparo da lesão foi observado radiograficamente em 24 meses. Diagnóstico diferencial, controle da infecção endodôntica, alargamento do forame apical e preenchimento da cavidade cística com pasta de hidróxido de cálcio foram procedimentos relevantes para a resolução do caso. INTRODUCTION The periapical cyst is originated from the epithelium in a granuloma and is frequently associated to an inflammatory response of the organism against a long-term local aggression due to an endodontic infection. This condition is clinically asymptomatic but can result in a slow-growth tumefaction in the affected region. Radiograficamente, a descrição clássica da lesão é uma imagem radiolúcida redonda ou oval, bem circunscrita, envolvendo o ápice do dente infectado (1). Neste artigo, é relatado um caso de cicatrização periapical de cisto após tratamento endodôntico não-cirúrgico. Uma paciente de 42 anos de idade, do sexo feminino, foi encaminhada à nossa clínica para tratamento endodôntico do incisivo lateral superior esquerdo. O exame clínico intraoral revelou que o incisivo lateral apresentava restaurações estéticas nas superfícies mesial, distal e lingual. A mucosa vestibular apresentava cor e aparência normais. Não houve edema gengival ou extrabucal, mas foi observado um aumento volumétrico do palato. A paciente negou dor espontânea, mas relatou sintomatologia dolorosa na percussão. Após abertura da coroa, um exsudado mucoso e transparente drenou através do canal radicular. Uma amostra desse fluido foi coletada para exame citológico. O canal foi instrumentado a 1mm do forame apical de acordo com a técnica de coroa para baixo. O instrumento de memória era um arquivo tamanho 60 K (Maillefer Instruments SA, Ballaigues, Suíça). O canal foi irrigado com HCT20, uma solução irrigante composta de hidróxido de cálcio, tergentol e água destilada (6), e preenchido com uma pasta preparada com 9 partes de hidróxido de cálcio e 1 parte de óxido de zinco em veículo aquoso (HCT20), utilizando uma broca lentulo. A entrada do canal foi vedada com um material de enchimento temporário nãoeugenol, pré-misturado (Cimpat, Septodont, Saint Maur, França) e a cavidade de acesso foi fechada com um cimento à base de óxido de zinco de endurecimento rápido e eugenol (Pulpo-san, SS White, Rio de Janeiro, RJ, Brasil). Todos os procedimentos foram realizados sob isolamento absoluto. A citologia esfoliante do líquido da lesão foi compatível com o cisto periapical. A paciente retornou para uma segunda consulta e foi informada sobre o diagnóstico, condições dentárias e opções de tratamento. Ela concordou em assinar um termo de consentimento livre e esclarecido para terapia não cirúrgica de canal radicular e documentação do seu caso. O canal radicular foi preparado quimomecanicamente, obturação com cones de guta-percha (Dentsply Ind. Com. Ltda, Petrópolis, RJ, Brasil) e cimento Sealer 26 (Dentsply Ind. Com. Ltda) utilizando a técnica de condensação lateral. Uma restauração definitiva foi então colocada. O paciente voltou para controle clínico e radiográfico a cada 6 meses durante os 2 primeiros anos, e depois a cada 12 meses durante os 3 anos seguintes (Fig. 4). A evidência radiográfica de cicatrização da lesão foi observada no seguimento de 24 meses. DISCUSSÃO Sabe-se que uma infecção pulpar tem origem e perpetua alterações patológicas periapicais. Além disso, na ausência de agentes agressivos, o sistema imunológico possui mecanismos para promover a reparação de tecidos e estruturas afetadas por processos patológicos (3). Portanto, a eliminação de agentes nocivos do sistema radicular cria um ambiente propício à reparação de uma lesão cística (3,5). As cirurgias endodônticas podem ter conseqüências processuais diretas que tornam o tratamento endodôntico não-cirúrgico preferível ao tratamento não cirúrgico nos casos de cisto periapical. Entre os eventos que podem estar associados às intervenções cirúrgicas periapicais estão a perda do suporte ósseo, possibilidade de lesão de vasos sanguíneos e nervos irrigando e inervando os dentes adjacentes à lesão, possibilidade de lesão de estruturas anatômicas, como forame mental, nervo alveolar inferior e/ou artéria, cavidade nasal e seio maxilar, produção de defeitos anatômicos ou cicatrizes, dor ou desconforto pós-operatório e recusa a procedimentos cirúrgicos, especialmente em pacientes pediátricos (4,5). Estudos relataram que os cistos periapicais são refratários à terapia endodôntica não cirúrgica (7,8). Entretanto, o fato desses achados estarem associados a outros fatores etiológicos, como infecção extraradicular, presença de corpos estranhos e cristais de colesterol, também tem sido discutido na literatura (8). Além disso, a forma como o tratamento endodôntico é conduzido também deve ser discutida. O planejamento correto da intervenção em casos de cisto periapicais é de suma importância para uma terapia de sucesso. O primeiro passo é estabelecer um diagnóstico diferencial entre o cisto periapical e o granuloma periapical. Vários estudos têm demonstrado a dificuldade de distinguir radiograficamente estas entidades patológicas (9,10). Procedimentos bioquímicos também têm sido descritos para diagnóstico diferencial (4,11). No caso relatado neste artigo, a citologia esfoliante foi o método escolhido para examinar o líquido da lesão por ter uma técnica simplificada. O controle da infecção endodôntica é outro ponto crucial a ser abordado durante o planejamento da intervenção. Para eliminação ou redução máxima de microorganismos no sistema radicular, o profissional deve associar o desbridamento utilizando arquivos endodônticos com solução irrigante eficiente e medicação intracanal. Além disso, a patência e alongamento dos canais em caso de dentes necróticos com lesões periapicais ajudará a eliminar microorganismos do forame apical, evitando assim que o processo inflamatório se perpetue. Os irrigantes e curativos com hidróxido de cálcio foram selecionados por apresentarem excelentes resultados clínicos e laboratoriais (6,12,14,15). O hidróxido de cálcio foi associado a um veículo aquoso para permitir a rápida liberação de Ca++ e OH. O óxido de zinco foi adicionado à pasta para permitir melhor visualização do medicamento dentro do canal e da cavidade cística. Overextensão da pasta de hidróxido de cálcio em lesões císticas, como realizado no caso relatado, foi previamente descrito (12,13,16). Os benefícios deste procedimento incluem ação antiinflamatória através de propriedades higroscópicas formando pontes de proteinato de cálcio e inibindo a fosfolipase, neutralização de produtos ácidos como as hidrolases, que podem afetar a atividade clásica, ativação da fosfatase alcalina, efeito antibacteriano e destruição do epitélio cístico, permitindo a invaginação do tecido conjuntivo à lesão (12,13). Bhaskar (2) sugeriu que, durante a terapia endodôntica dos dentes associada aos cistos periapicais, a instrumentação do canal radicular deve ser feita ligeiramente além do forame apical. Segundo o autor, isso produzirá uma inflamação aguda transitória e destruição da camada epitelial protetora do cisto, convertendo-o em um tecido granulado, que tem melhor resolução. Embora não existam evidências de base científica que sustentem essa suposição, no caso ora apresentado, a instrumentação além do forame apical foi realizada porque ajudaria a eliminar microorganismos da área apical, reduzindo assim o processo inflamatório. Além disso, também poderia facilitar a resolução dos cistos através do alívio da pressão intracística (1). Os critérios utilizados para estabelecer o momento mais adequado para a obturação do canal radicular estão associados à ausência de dor espontânea, sensibilidade à percussão, exsudato e edema, e ao início da regressão radiográfica da lesão. Em relação ao tempo necessário para considerar a terapia bem-sucedida, um período de dois anos tem sido considerado um intervalo razoável (17). No caso descrito neste trabalho, o paciente foi avaliado semestralmente e depois a cada 12 meses até 5 anos de seguimento. Diagnóstico diferencial, controle de infecção endodôntica, ampliação do forame apical e preenchimento da cavidade cística com pasta de hidróxido de cálcio foram procedimentos importantes para o sucesso do tratamento endodôntico não cirúrgico dos cistos periapicais. 1. Cisalhamento M. Cistos da região bucomaxilofacial. 3ª ed. São Paulo: Editora Santos; 1999. 2. Bhaskar SN. Resolução não cirúrgica de quistos radiculares. Cirurgia Oral de 1972;34:458-468. 3. Maalouf EM, Gutmann JL. Perspectivas biológicas sobre o manejo endodôntico não cirúrgico da patofose perirradicular. Int Endod J 1994;27:154-162. 4. Morse DR, Bhambhani SM. Dilema do dentista: terapia endodôntica não cirúrgica ou cirurgia periapical para dentes com patofose pulpar aparente e lesão radiolúcida periapical associada. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 1990;70:333-340. 5. Shah N. Manejo não cirúrgico das lesões periapicais: um estudo prospectivo. 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